terça-feira, março 13, 2007

de urinol

Estava eu num urinol quando me apercebi que nunca uma história começou assim com “Estava eu num urinol quando...”. O urinol como ponto de chegada aflitiva e aliviada partida tem sido um local continuadamente menosprezado nos blogues e na literatura. Já do ponto de vista cinematográfico, embora nunca ali tenha sido filmado um primeiro take, não haverá ninguém que não se lembre de uma qualquer cena de porrada dentro duma casa de banho pública, geralmente culminada com muito azulejo e loiça sanitária partida. Quem não retém na memória inolvidáveis cenas de fulanos a mergulharem a cabeça de outros fulanos com menor compleição fisica dentro duma sanita, ou aquelas partes onde se vê os pezinhos dos fulanos descansados da vida por debaixo daquelas portas à meia canela e depois são alvejados a sangue frio... Uma porta de WC cravejada de balas, é sempre uma imagem forte! A indiferença intelectual e a violência cinematográfica contrastantes, e o ponto de encontro de desejos expressado nas mensagens que são deixadas por detrás das portas dos WC’s das estações de serviço onde não raras as vezes se podem ler missivas do tipo “liga-me, quero que me partas a bilha toda” ou “como-te a ti e à tua mulher” e por aí fora. O urinol actual tem uma função social bastante diferente do urinol público dos Romanos, então local de sadio convívio. Enquanto defecavam e urinavam ao lado uns dos outros, os Romanos punham a conversa em dia, debatiam os temas da actualidade, ou seja, preenchiam aquele tempo confraternizando com o parceiro do lado, enquanto não se inventava a bica. Actualmente, além de locais de afixação de pequenos anúncios, os urinóis são locais sepulcrais, onde por breves instantes o Homem está entregue apenas a si mesmo, encerrado num metro quadrado de espaço, ou de pé fixando as juntas dos azulejos perfilados à sua frente. Momentos feitos de imobilidade, silêncio, introspecção, bolinhas de naftalina, barulhos de autoclismo e de gestos já tão mecanizados que raramente se olha para baixo ou para o que quer que seja. Lembro-me de quando andava na tropa, para que todos estivessem perfilados numa formatura sem se mexerem, de vez em quando dizia aos camaradas do pelotão para que se imaginassem a mijar uns ao lado dos outros... E resultava! Numa situação dessas, porque é assim que os urinóis estão dispostos, lado a lado, peito para fora, ombros para trás, jamais se olha para o tipo do lado. Fazê-lo é simplesmente um dos gestos mais gays que se possa imaginar fazer. Para já não falar em olhar na diagonal. Isso é gay e porco ao mesmo tempo. No entanto quando estamos ali, quase a fazer carga de ombro com um estranho, apesar de parecer-mos em transe, com o olhar vago fixado nas fascinantes juntas dos azulejos à nossa frente, temos a nossa visão periférica na sua máxima potência. Se o tipo do lado olhar para nós, mesmo de relance, é falta, é automaticamente detectado e imediatamente concluiremos que “este gajo deve ser paneleir*!!” abreviando ao máximo a nossa estadia. Lamentavelmente este e outros fantasmas continuam a atormentar a nossa masculinidade. O que é pena. Sabe-se lá quantos amigos e colegas de escola que há muitos anos não se vêem, já estiveram a urinar lado a lado e apenas porque não olharam para o outro, adiaram eternamente um reencontro feliz!

1 comentário:

Estrela do mar disse...

...ainda bem que há alguém que consiga tão pormenorizadamente explicar "cenas" passadas em urinóis:))...


Bjos